quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

[ ode to her ]

"Bolero do coronel sensível que fez amor em Monsanto"
Lobo Antunes

Eu que me comovo
Por tudo e por nada
Deixei-te parada
Na berma da estrada

Usei o teu corpo
Paguei o teu preço
Esqueci o teu nome
Limpei-me com o lenço

Olhei-te a cintura
De pé no alcatrão
Levantei-te as saias
Deitei-te no banco

Num bosque de faias
De mala na mão
Nem sequer falaste
Nem sequer beijaste

Nem sequer gemeste,
Mordeste, abraçaste
Quinhentos escudos
Foi o que disseste

Tinhas quinze anos
Dezasseis, dezassete
Cheiravas a mato
À sopa dos pobres

A infância sem quarto
A suor, a chiclete
Saíste do carro
Alisando a blusa

Espiei da janela
Rosto de aguarela
Coxa em semifusa
Soltei o travão

Voltei para casa
De chaves na mão
Sobrancelha em asa
Disse: fiz serão

Ao filho e à mulher
Repeti a fruta
Acabei a ceia
Larguei o talher

Estendi-me na cama
De ouvido à escuta
E perna cruzada
Que de olhos em chama

Só tinha na ideia
Teu corpo parado
Na berma da estrada
Eu que me comovo
Por tudo e por nada

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