Carta a um bebé que não nascerá… na Figueira
Meu amor, minha vida, meu pedacinho de céu,
Espero que estejas bem, aí, dentro de mim, bem perto do meu coração, onde já tens lugar cativo. Ainda és demasiado pequeno para eu te sentir mexer, mas desde que soube da tua existência que mexeste com a minha vida. Imagino-te de mil e uma formas, sonho com as tuas mãozinhas pequenas, com as tuas bochechinhas rosadas, com a tua boquinha sequiosa do meu leite, com o teu corpinho delicado a repousar sobre o meu, ouvindo tranquilamente o bater do meu coração que já só bate por ti.
Amo-te, meu bebé lindo. Espero-te ansiosamente, e já comecei a preparar a tua chegada. Tenho também o dever de te preparar, porque é possível que a tua entrada neste mundo não seja tão cor-de-rosa como a do teu irmão, que nasceu há dois anos. No dia em que ele nasceu, a mamã começou a sentir um desconforto, umas dores ligeiras, durante a manhã. Ainda assim, trabalhei como se nada fosse, convencida de que era apenas o teu irmão a mexer-se um pouco mais, demasiado apertado já no meu ventre. À hora do almoço achei melhor ir ao hospital ver se estava tudo bem. O papá levou-me, atravessámos as pontes e eu lembro-me de pensar que a Figueira é uma cidade linda, uma cidade boa para se ter um bebé, para se criar uma criança, para ver crescer um homem saudável.
Cheguei ao hospital e rebentaram-me as águas. Assim, sem aviso, dez minutos depois de eu ter decidido sair do trabalho e ir ao hospital. Foi uma sorte. Fui logo para uma sala onde me colocaram uma espécie de cinto para ver se estava tudo bem com o teu mano, e uma enfermeira ia observando a dilatação, vendo como é que tudo estava a correr. Apesar das dores, muiiiiiito fortes, eu estava calma. Quando as dores passaram dos limites e a dilatação estava no ponto exacto, a enfermeira chamou o anastesista, para me dar a epidural. Não acabou com a dor, mas atenuou-a, ajudando-me a cumprir todas aquelas respirações que eu e o teu pai tínhamos treinado nas aulas de preparação para o parto, e que ajudaram o teu irmão a nascer, algumas horas depois, com toda a naturalidade, sem forceps, sem ventosas, sem cesariana, apenas com a mão do teu pai esmagada entre os meus dedos e as instruções do pessoal médico, à minha volta naquela mesa voltada para a janela de onde se vê o mar. O mar… mostrei-o ao teu irmão na manhã seguinte, sentindo, julgo que ambos, que tudo aquilo era nosso: a nossa terra, o nosso mar, a nossa vida, prontinha para começar ao som da natureza.
Já tu, meu amor, não nascerás na terra onde os teus pais se apaixonaram, e a mamã não poderá estar no hospital dez minutos após as contracções começarem a apertar, e certamente não chegará a tempo da epidural, por isso não leves a mal se eu gritar muito e ficar nervosa. Também terás de ter paciência se algo correr mal e acabares por nascer na ambulância, a caminho de Coimbra. A trepidação de uma viagem tão longa não vai ajudar a manter-te dentro de mim, percebes isso, não é, meu bebé? E nos dias seguintes não fiques triste se eu te parecer triste: eu serei a mamã mais feliz do mundo quando te tiver ao colo. Mas vou estar um bocadinho triste porque vamos estar praticamente só os dois: o papá tem de tomar conta do mano na nossa casa, que fica a muitos kms do sítio onde vais nascer, e por isso não pode fazer a viagem muitas vezes. Os nossos amigos também não poderão ir visitar-te como se estivesses a 15 minutos de distância, não é? E a mamã estará frágil, e far-lhe-ão falta esses mimos, sobretudo quando aparecerem as visitas para as mamãs na cama ao lado, que estão na terra delas, a poucos minutos de suas casas.
Mas quando chegarmos a casa, meu amor, quando chegarmos à minha terra, vou mostrar-te o mar, o areal, a serra, as lagoas, o pôr-do-sol fantástico que a Figueira da Foz tem, e vou pedir-lhe que te adopte como seu, que esqueça que foste nascer longe, porque nem tu nem eu tivemos culpa.
Enfim, meu pequeno milagre, despeço-me rezando, eu que nem crente sou, para que tudo corra bem. Porque se não correr, minha vida, se algo de mal te acontecer, por causa de dinheiro, para poupar dinheiro, eu vou até ao fim do mundo, eu vou para a cadeia se preciso for, mas os responsáveis não hão-de ficar impunes.
Mas vai tudo correr bem, meu coimbrinha lindo. Quem sabe a mamã e o papá não conseguem, até tu nasceres, mudar-se de vez para Coimbra? Dizemos adeus ao mar mas ao menos ficamos mais perto dos centros de poder, aqueles onde dificilmente se aceita que a qualidade de vida das populações diminua em vez de aumentar.
Beijos da mamã que te adora,
Figueira da Foz, 16 de Março de 2006
11 comentários:
Como é que o Ministério da Saúde decide encerrar uma maternidade de um hospital cuja área de influência abrange os concelhos de Figueira da Foz, Pombal, Soure, Montemor-o-Velho, Cantanhede e Mira, correspondente a 2013.1 Km2 de área e a uma população residente de 215.819 habitantes???
Algum deputado figueirense, eleito por Coimbra, fez alguma declaração interventiva a contestar esta decisão? Tomaram-na como um "dado adquirido" ou não estavam na Assembleia?
xiiiiiii, bico calado senão o lerdo ainda vai elogiar o seu novo amigo , o jovem deputado
Figueirenses:
É preciso agir e não ficar parado a assistir a mais esta trágédia grega no nosso concelho.
onde estão as forças vivas desta cidade?
onde está uma tomada de posição que demonstre, perante a opinião pública, que se quer evitar, a todo o custo, o fecho da maternidade local?
Toca a agir. É tempo dos figueirenses deixarem de cruzar os braços e assobiar para o lado.
Parece-me que há, pelo menos, quatro deputados figueirenses na assembleia.
Três deles, mesmo que tenham sido eleitos por onde os aceitaram, são da oposição. Os deputados não falam só do seu circulo, são deputados nacionais, será que não têm nada a dizer?
Obviamente não, como é hoje referido no Público, veio cá um americano, especialista em saúde, que ao saber quantos hospitais por 1000 hab., existem em Portugal disse:
Vocês não têm um problema de saúde, têm um problema de transportes.
O fecho é inevitável. A bem da qualidade dos serviços.
Mesmo que a mãezinha faça chorar as pedras da calçada.
Portugal não carece só de t6ransportes como refere este último anonimo. O pais carece de uma visão estratégica, e alargada.
Portugal precisa de um novo visionário, qual Marquês de Pombal.
Muito a sério, não concordo com o encerramento do bloco de partos do hospital. Penso que, como ouvi o sr. presidente da câmara dizer, será prejudicial para a cidade e para alqueles que nos visitam
Sim, principalmente para os que nos visitam.
Há quem pense no que diz antes o dizer, não parece ser o caso do sr.presidente
O que o país precisa é de não ser governado por anormais corruptos e outros quejandos que só para lá vão para se safarem.
Também precisa de quem não vote em anormais corruptos...
Precisa de gente séria que vote em gente séria... ou não há gente séria??????
alguém sabe dizer quanto poupar o estado com o encerramento da maternidade da Figueira?
Onde andam as jotas cá do burgo? as tertúlias? as figueira-vivas, e outras que só aparecem em período eleitoral? Agora que é pública a revolta contra o silêncio do PS e PSD, é que eles começam a aparecer em conferências de imprensa. Porque ficava mal. Mas só agora, depois de criticados. O PCP foi o primeiro a manifestar-se contra. estes, sim, estão ao lado do povo. E os vereadores? Sarmento é médico. o que ele acha? e os outros todos que para lá foram, eleitos pelos figueirenses? e não se esqueçam que a câmara da Figueira tem um elemento na administração do hospital...
Desafio todos os figueirenses a pegarem nesta excelente carta e enviarem-na a todos os mails a que tenham acesso, tanto às suas listas de contactos pessoais, como mails de entidades públicas, empresas, meios de comunicação social, etc.
Vamos encher Portugal com o nosso grito de revolta simbolizado nesse excelente texto!
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